terça-feira, 29 de novembro de 2011

A Guerra é a Guerra

Este governo não é o governo dos portugueses, é uma comissão liquidatária. O seu objectivo é pagar a dívida. Não importa se ela é legítima ou se pelo contrário é produto de especulação e de corrupção, ou de mau governo. Tem de ser paga como exigem os credores. Depois logo se verá.

Para isso não é necessário um grande exercício. Basta cortar onde é mais fácil, onde é mais rápido. Basta ir buscar ao outro lado; ao trabalho.

Há um dito que define o capitalismo, “nunca ponhas os ovos todos no mesmo cesto”, é verdade.

Nunca os puseram, sempre souberam adequar estratégias, cresceram, e o que parecia um retrocesso no seu percurso, como o advento do estado social, foi apenas a criação de uma barreira ao desenvolvimento de filosofias mais igualitárias. Na verdade, durante estas tréguas da segunda metade do séc. XX, souberam cimentar posições, alargar a teia de interesses que sustenta o capitalismo financeiro, e partir para um patamar superior de dominação.

Embora existam Estados, o capital não tem fronteiras. Grande parte da sua força reside precisamente nisso, na inexistência de uma resposta global. Asseguram o mundo a retalho, estimulando divisões entre países, para melhor dominarem.

Existe de facto uma guerra, que não é entre nações, antes entre classes, e é uma guerra sem tréguas.

Enquanto os conflitos anteriores se desenrolaram entre exércitos, o terreno deste é bastante mais cínico.

Em nenhuma guerra o interesse primário foi devastar o território conquistado, senão de que serviria? Esta é disso um paradigma. Em todas as guerras o povo constituiu a maioria das vítimas, a carne para canhão, e aí o que menos contava era a nacionalidade dos mortos, antes o número controlável de sobreviventes enquanto mão-de-obra mais barata, mais maleável, mais permeável aos interesses das classes ditas superiores. Passa-se o mesmo hoje em dia, não morrem de bala, morrem de fome, de doença, de miséria e deixam com a sua morte um espaço de sobrevivência às próximas vítimas.

Só globalizando a resposta, esta guerra pode ser ganha, não há outra forma.

Os problemas que enfrentamos são os mesmos na sua essência em qualquer parte do globo e devem ser resolvidos com um empenho global.

Temos de fazer como o Marlowe, seguir a pista do dinheiro, descobrir onde é que eles guardam os ovos.

2 ou mais velocidades


sábado, 26 de novembro de 2011

pesca à linha

Vem-me à ideia aquele sábio ditado que diz: “se queres ajudar alguém, não lhe dês peixe, ensina-o a pescar.”

Ensinar a pescar é uma prova de amor, nós ensinamos os nossos filhos a pescar, porque os queremos ver livres, a trilharem os seus caminhos, sem terem de depender do nosso peixe.

Colectivamente essa dádiva de cidadania é feita pela escola, e quanto melhor, mais inclusiva, mais abrangente ela for, melhor serão os resultados.

Qualquer pai abdica de si para ver o seu filho crescer, afirmar-se, poder sem receios transformar-se ele próprio num pai. É a lei da vida.

Existe no entanto uma diferença, pouco subtil até. Alguns de nós são pais, outros limitam-se a ser pais dos seus rebentos, e para esses a escola é apenas o instrumento que possibilita arrebanhar tanto peixe quanto se puder. Para eles interessa até que a maioria não saiba pescar, interessa que a maioria contemple e admire e venere os pescadores encartados.

Preocupam-se então em criar escolas exclusivas a que só alguns acedam e tudo fazem para destruir a escola de todos. O pretexto é de uma atroz simplicidade. Não é necessário que todos pesquem, basta que haja peixe para todos. A partir daí uns ficam com as espinhas, outros com o lombo. Uns contentam-se com pouco, outros dispensam os restos.

A austeridade actual é um instrumento! Cortar na escola é o objectivo, porque se todos soubessem pescar haveriam muito menos tempestades no mar, muito menos náufragos a dar à costa.

Sem escola, sem educação, seremos sempre escravos dos pescadores à linha…

Twilight Zone


sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Go Fuck Yourself!!





























fotografia por Rui Alves

A Cidade Oculta


Dentro dos muros de uma cidade, habitam muitas cidades.
Habita a cidade da noite, que existe, não quando o sol se põe e a penumbra cai, mas quando a cidade do dia adormece por fim.
Habita a cidade do desencanto,  daqueles que fazem seus os vãos de escada.
Habita a cidade do faz de conta, traçada a régua e esquadro nos gabinetes que não a vivem.
Habita a cidade perpendicular, dos encontros e desencontros.
Habita a cidade paralela, dos que jamais se cruzarão.
Habita a cidade das histórias, das que se contam,  das que se guardam e até mesmo das que jamais existiram nem nunca existirão.
Habita a cidade solar, iluminada e exposta, mais a lunar, feita de véus que lhe dissimulam as formas.
Habita a cidade da esperança e do desencanto, da dor e do júbilo, dos amores e desamores, da paixão, da indiferença.
Dentro dos muros de uma cidade habita gente.
Se gente não houvesse dentro dos muros da cidade moraria  uma necrópole.
Sombras de sombras de sombras...

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

25 de Novembro, sempre! 2ª. parte


Estabilizado a situação, um ano depois iniciava-se a normalização democrática. As eleições produziram os resultados esperados.
Um sistema teoricamente inclinado à esquerda, mas que nunca produziu maiorias de esquerda. Aliás, consegue ser o único país do mundo onde um partido se chama social-democrata e faz parte do partido popular europeu que agrupa a direita europeia.
Mas o que se passou antes?Um dos mais extraordinários acontecimentos políticos da história europeia: um golpe militar que se transformou numa Revolução.
Centenas e milhares de pessoas, despolitizadas, pouco habituadas a participar na vida da pólis, com o medo da Pide, do patrão, do sr. Diretor Geral, tomaram o seu destino nas mãos. Sim, claro, com exageros. Mas foi um tempo em que os portugueses construíram na rua, na luta, o seu futuro e o seu destino.
Foram as Comissões de Moradores, as ocupações de terras para serem produtivas, as fábricas, parte delas falidas pela crise internacional... e pela fuga dos donos de Portugal
Isto, a Direita portuguesa, a mais estúpida do mundo, como os Bourbons, que não esqueceram nada e não aprenderam nada, nunca perdoou.
Tem agora a oportunidade que desenhou, suspirou e promoveu durante anos. Vingar-se!
Vingar-se das leis do trabalho, dos 14 meses de salário, do direito das pessoas que trabalham a uma saúde decente ( honra a dois homens bons, António Arnaut e Albino Aroso...), a reformas públicas, a escola para todos, a transportes baratos e eficientes, no fundo ao nosso incipiente Estado Providência.
Isto, esta gente não perdoa.
Acantonados no Fórum para a Competitividade, ou no Compromisso Portugal, ou numa palermice chamada Projecto Farol, esta gente, que não dá a cara, viu a sua oportunidade.
A esquerda fez-lhe o favor de iniciar o caminho.
Só na rua serão parados.
Só nas pontes entre as esquerdas encontraremos a alternativa ou as alternativas.
O regime saído de 25 de Abril terminou. Discutamos as alternativas, ou então como Warren Buffet bem avisou: " Sim. É uma luta de classes, e a minha está a ganhar".
Resta saber se é isto que queremos.

ps. O título do post é, obviamente, uma blague.

3 strikes and they're out...


Greve

(Nuno Andrade)

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Greve Geral



Amanhã vou à greve!
Vou deixar de lado o trabalho e as compras no super ”mercado” e vou à greve.
Não sei lá muito bem onde ela fica, mas se perguntar todos me dirão, acho mesmo que nem precisarei de perguntar, deve haver muita gente como eu que quer ir à greve e se não a encontrarmos fazemos uma onde estivermos.
Não deve ser uma greve tão imponente, sem televisão e sem comentários de ex presidentes, mas será a que se pode arranjar.
Assim quando me perguntarem lá no trabalho onde estive, eu responderei que estive na greve e se questionarem o que fui lá fazer, direi que nada, ou seja, exactamente o mesmo que faria se fosse contra a ida à greve. Nada!
E se mesmo assim me perguntarem porque raio fui eu à greve para não fazer nada. Direi que fui para poder ser patrão por um dia…

terça-feira, 22 de novembro de 2011

25 de Novembro, sempre!


Depois de um Verão Quente, preparava-se em Portugal um Outono escaldante. Foi em Novembro de 1975. Dia 25 de Novembro.Há 36 anos.
Ainda hoje não se sabe bem quem, porquê e para quê mandou os paraquedistas tomar a base de Tancos, dando início a um contra-golpe chefiado pelo futuro Presidente da República, Ramalho Eanes.
Nem os próprios protagonistas se entendem: Otelo diz que ordem não partiu dele, Vasco Lourenço diz o contrário. E é interessante olhar para estes dois irmãos inimigos, uma espécie de brothers in arms que, com a idade, vão lutando para ocupar um lugar na História....
O Partido Comunista diz que nada teve a ver com o assunto.
Que foi uma coisa da extrema-esquerda militar, enquanto os partidos do arco da governação, pela voz dos seus velhos protagonistas, vão deixando escapar pormenores sobre os tórridos dias que se viviam então: a distribuição de armas, os contactos com os serviços estrangeiros, a ligação com os terroristas da extrema-direita.
Para a História fica a atrapalhação de Duran Clemente na RTP, enquanto a emissão passava para o Porto e o contra-golpe começava.

domingo, 20 de novembro de 2011

Carta aberta ao PS

Caro PS:

Vou ser sincero. Deixei há muito tempo de confiar em ti e de votar em ti. As desilusões têm um efeito cumulativo, e as que tu me deste foram muitas e vêm de longe. Há um ponto a partir do qual se torna impossível fechar os olhos à corrupção, ao amiguismo, à capitulação, à falta de ideais.

Não foste - longe disso - o único partido socialista europeu a deixar-se transportar na ilusão neoliberal. Quanto a isto, é possível que até nem tenhas grande culpa: era o espírito dos tempos. Mas depois de 2008? Depois de se ter tornado óbvio, escancaradamente óbvio, a quem servia a doutrina económica dita ortodoxa? Não poderias ter feito desde essa altura, ou pelo menos esboçado, o teu exame de consciência? Que considerações, que compromissos, que rabos de palha te impediram de o fazer? Podias ter saído da torre de marfim politqueira onde te encerraste ou te encerraram. Podias ter olhado à tua volta. Podias ter visto, ouvido e lido o que se estava e está a passar no mundo. Porque escolheste permanecer cego e surdo?

Quando governaste, governaste mal. Atacaste com afinco e com acinte, não só os trabalhadores em geral, mas também, de entre estes e em particular, as classes médias e as classes profissionais que eram o teu principal sustentáculo. Onde estavas com a cabeça? Atacaste direitos chamando-lhes privilégios, e deixaste os privilégios como estavam, se é que os não favoreceste ainda mais. Chegaste a ser o único partido parlamentar - nota bem, o único - a colocar obstáculos inultrapassáveis a que se combatesse eficazmente a corrupção. Talvez me fosse possível perdoar-te o resto. Isto, nunca.

Assinaste um acordo com a troika em que se previa que o défice das contas públicas fosse atacado em dois terços pelo lado da despesa e num terço pelo lado da receita. Porquê esta proporção e não outra qualquer? Ocorreu-te sequer fazer esta pergunta? Que tabu, que fetiche te paralisou o cérebro? Abstiveste-te na votação dum Orçamento de Estado que decorria deste acordo. Com que cara vens agora mendigar ao governo que devolva metade do que ajudaste a roubar aos funcionários públicos e aos reformados?

Agora anuncias a tua abstenção quanto à Greve Geral do dia 24. Não me surpreende esta atitude: era a que esperava de ti, dado o teu currículo. Mas compreende uma coisa: o mundo está em guerra. Já não a podes evitar com paninhos quentes. E quem se mantiver na terra de ninguém ficará sob fogo cruzado.

Já não tens muito tempo. Ou te colocas, rapidamente e sem equívocos, do lado dos 99%, ou ficas para sempre do lado dos 1%. E estes não te ficarão gratos: para ti, doravante, a vida será sempre a perder.

Encontrado aqui.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Há dinheiro, pois há!

«QUE PARTE É QUE NÃO PERCEBEU?»

"Ao que se soube há umas semanas atrás, há 24 mil euros por mês para pagar a renda do magnífico andar, em plena Avenida da Liberdade, onde está instalada a Direcção-Geral das Artes (enquanto as artes do palco e os artistas vivem e trabalham quase sempre em condições miseráveis). Não há dinheiro? Como há 40 milhões de euros para um opíparo subsídio ao dr. Jorge Coelho para construir um novo armazém para os Coches em Belém. Não há dinheiro? Em Guimarães 2012, os ordenados dos administradores começam nos 10 mil euros mensais e só Deus sabe onde acabam (e, das gratificações dos ilustres membros do seu Conselho Geral, será talvez melhor nem falar). Não há dinheiro?"

Público - Que parte é que não percebeu? Há dinheiro!

jornal.publico.pt

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Número de circo ou Artista (sobre)dotado!?

Despacho do SEAF, Pág 4485 do Diário da República, 2.ª série -- N.º 217 - 11 de Novembro de 2011

Gabinete do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Despacho n.º 15296/2011
Nos termos e ao abrigo do artigo 11.º do Decreto -Lei n.º 262/88, de 23 de Julho, nomeio o mestre João Pedro Martins Santos, do Centro de Estudos Fiscais, para exercer funções de assessoria no meu Gabinete, em regime de comissão de serviço, através do acordo de cedência de interesse público, auferindo como remuneração mensal, pelo serviço de origem, a que lhe é devida em razão da categoria que detém, acrescida de dois mil euros por mês, diferença essa a suportar pelo orçamento do meu Gabinete, com direito à percepção dos subsídios de férias e de Natal.
O presente despacho produz efeitos a partir de 1 de Setembro de 2011. 9 de Setembro de 2011.
O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo de Faria Lince Núncio. 205324505

Post Scriptum:
Este "artista" defendeu no Parlamento a teoria de que o ordenado mínimo nacional até era elevado!!

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

The nhac nhac society


O meu jornal de parede


Minhas Senhoras, Meus Senhores
Alguém me perguntou como vejo eu, um sem-abrigo de Budapeste, o mundo actual? A resposta é simples: Como uma pirâmide composta de gente em perpétuo movimento, deambulatório, supostamente desorganizado.
Milhões de pessoas, a trepar umas, outras a descer, todas a escorrerem como um cacho de abelhas a formar colmeia.
O prisma, de topo afilado e base estreita, tem por via da sua configuração, faces de escalada difícil enquanto a descida é vertiginosa, incontrolável, quase queda, em abono da verdade.
O alto é tão distante do baixo, que quem o ocupa nem vislumbra o chão, por outro lado quem lhe suporta o peso, tem do vértice uma vaga ideia; limita-se a saber que existe muito para além das nuvens, não o distingue e quando tenta lançar-lhe a vista, tem de apontar os olhos ao céu…
 Pois é! Quem não sabe é como quem não vê. Há uma ignorância prazenteira, um arco-íris, nessa forma de ignorar o mundo.
Por isso os espertos abençoam sempre os pobres de espírito, porque deles é o reino do amanhã, e é bem verdade. Tão verdade que os homens de poder fizeram sua esta máxima. Artistas exímios do disfarce, foram criando ao longo dos tempos indistinguíveis véus, que por artes mágicas se vão sobrepondo em convenientes transparências, mas estas em lugar de revelar, mistificam.
Hoje em dia o lado efémero da verdade já não é um imprevisto, um factor aleatório, que transtorne percursos estudados. É isso sim, um instrumento, um conhecimento aprofundado por anos e anos de prática. Aposta-se nessa contínua mudança do que é, para retalhar a memória, e determinar o futuro reconstruindo o passado. Não que o passado se apague, mas sublinham-se ocorrências, altera-se a orografia dos factos e o que antes seria um simples grão de areia, num momento será o mais imponente dos Everest, para logo a seguir se transformar na mãe de todos os atóis.




Abril

O problema em Portugal é que o povo grita "25 de Abril Sempre!" e os políticos fazem acontecer o 1 de Abril todos os dias!

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Ministro da Economia em três tempos

manhã - "2012 vai ser o ano do fim da crise"

hora do almoço - "pois, os mercados são difíceis de ler, mas 2012 vai marcar o início do fim da crise"

final da tarde - "como!? impossível, eu não disse isso!! em economia e finanças tudo é relativo. sabe-se lá o que aí vem até 2013 ou 2014!"

R.I.P. 2012


segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Eu Cá Sou Deste Planeta



Assisti hoje a um espectáculo confrangedor, dado pelo Ministro da Economia e respectivo gabinete, no Parlamento.
Este governo vive numa outra dimensão, completamente desligado do que se passa neste país. Nada de surpreendente, se tivermos em conta que o seu objectivo não passa, nunca passou, pela nossa recuperação económica. O fim que tem em vista, não é outro senão a satisfação integral dos interesses dos credores, custe o que custar.
Não existem pessoas no seu universo, apenas números, dados estatísticos, modelos genéricos que assimilaram e insistem em pôr em prática, independentemente dos danos irreparáveis que possam causar na nossa economia.
São fundamentalistas respaldados no poder financeiro, convictos de estarem acima do comum dos cidadãos, intocáveis, com lugar garantido na mesa dos despojos.
Quando se fala do fim da democracia na Grécia e em Itália, governadas por gente que não foi sufragada nas urnas, que não representa a vontade popular, dever-se-ia partir do princípio, que nestas circunstâncias é mais fácil a revolta, que é legítima a deposição destas extensões do poder financeiro, como legítima é a reposição do primado da vontade popular.
Por cá as eleições existiram, mas não houve debate porque os dados estavam viciados à partida com a assinatura do acordo com a Troika, e estavam também viciados porque a comunicação social está nas mãos, precisamente, de quem beneficia com esse acordo.
Foram passadas mentiras como se de verdades absolutas se tratassem, foram silenciadas as vozes discordantes e mais grave, com medo que não fosse suficiente, fizeram-se promessas e declarações de intenção que na prática se revelaram o oposto. E isso, já estava previsto ser feito.
Nós não vivemos em democracia, pelo contrário, vivemos na mais cinzenta das ditaduras. A da ignorância! Ocorre-me a imagem de uma sala de cinema com encenação tão perfeita, que apesar de nos sabermos espectadores de uma má ficção, a vivemos como se fosse real.
A resposta, essa, não reside num país, não é viável quando demarcada por fronteiras. Sendo a agressão global, ela terá também de ser global.
Por isso eu sou Grego e Italiano e Espanhol e Sírio e Coreano e estou em Wall Street e na faixa de Gaza e onde houver gente a lutar por um novo paradigma, mais justo, mais sustentado, mais integrado.
Eu sou um habitante deste planeta e tudo o que nele se passa me diz respeito.

(in)Justiça

Se fosse só na Justiça...!

sábado, 12 de novembro de 2011

Ah'poi'sé!

"O sangue correu pelo chão
Em nome da revolução
E o povo acabou por vencer
Celebrou-se a liberdade
A igualdade e a fraternidade que acabavam de nascer
Mas ao chegar a vez de cada um
Trabalhar para o bem comum
Aí começaram os dissabores
E em vez de ficarem unidos
Dividiram-se em mil partidos
Lá no fundo, todos queriam ser Ditadores"

do tema "Picado Pelas Abelhas" de Jorge Palma (Acto Contínuo, 1982)

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

O armísticio


11-11-2011.
Comemoram-se hoje 93 anos sobre o final da 1º Guerra Mundial.
Na Sky News, na BBC, nas reuniões internacionais, os fatos escuros dos apresentadores e dos políticos europeus, ou melhor, dos políticos europeus ingleses, mais em particular, as papoilas ornamentam as lapelas dos casacos.
Terminou a mais nacionalista das guerras. A guerra que ia durar apenas uns meses. Durou quatro anos e matou mais de 20 milhões de jovens europeus.
As cidades alemães foram invadidas por mutilados de guerra, nas cidades europeias hordas de desmobilizados voltavam doentes, inválidos, sem emprego.
Por cá, e apesar de vencedores, a agitação política não dava tréguas, bombas explodiam em Lisboa, os abastecimentos não chegavam, a inflação disparava e os lucrativos negócios de guerra e o mercado negro prosperavam.
Os tempos iam ficar sombrios. Entretanto ainda iam durar os "loucos anos 20"...mas sombras já se avizinhavam.
Por cá nunca nos lembramos disto. Salazar trabalhou bem a nossa memória histórica. E da Grande Guerra ( estava para vir a Segunda...) não ficou nada na memória coletiva dos portugueses.
Curiosamente, ganhámos. A Alemanha foi condenada a pagar as indemnizações de guerra. Até hoje, ainda não vimos um tostão... e Afonso Costa nunca voltou de Paris.

Sursum Corda (Corações ao alto)




Deu dois passos hesitantes em direcção à porta, apontou o dedo indicador à campainha e, a meio do movimento parou.
-“Talvez seja melhor reconsiderar, afinal de contas isto pode ser mesmo um passo sem retorno… e se me arrepender?
O melhor é encontrar uma alternativa, outra solução menos radical. Isso do último recurso é quase sempre uma desculpa para trilhar o caminho mais fácil; mas… e se desta vez não for? Se não existir mesmo uma outra solução?
Afinal recebi um ultimato, e antes do ultimato muitos avisos, cada vez mais insistentes e mais nítidos também. É sempre assim, quando se ignora o primeiro, ou até mesmo o segundo, ainda vá que não vá; mas depois não há hipótese, ignoram-se todos… o terceiro, o quarto, e por aí fora até ao confronto final.
Ao princípio, quando ainda não existem sinais, na altura em que a semente do problema se aninha, tudo é possível, tudo se consome, mastigado indiferentemente, seja doce, seja amargo, ou macio, ou áspero, tudo serve desde que seja a gosto. Mas depois já não é bem assim… surge um pequeno estremeção, uma diferença de temperatura que arranha a sensibilidade… e o esforço para retomar sem reservas os hábitos adquiridos começa a ser mais e mais exigente, mesmo doloroso. Há que tomar precauções, pelo menos á luz da razão. Só que em vez de confrontar o problema, prefere-se contorná-lo. Os cuidados são tomados para o evitar partindo do pressuposto que apenas existe o que se vê, longe da vista e sursum corda.
Segue-se caminho, olhos no chão, orelhas tapadas, passo estugado, e de repente… por qualquer razão intangível, pára-se, olha-se para trás, e leva-se com todo o percurso nas ventas; todos os erros, todas as consequências imediatas, todas as opções que se perderam. Primeiro incredulidade, depois desorientação, por fim um torpor, um estado de choque, misturados com uma contida revolta incontível, a mais absoluta contradição. As dores são excruciantes, lancinantes, incontornáveis.
Eis o ultimato: Ou eu, ou outro eu que não eu, enfim, outro eu qualquer.
Só não consigo entender como me deixei chegar aqui? É claro que não tenho outra opção!”
Prime a campainha. A porta abre-se num estalido automático. Entra.
Em redor um ambiente asséptico a emoldurar uma recepcionista loira de sorriso artificial. Entretanto o telefone toca e ela atende.
“Consultório dentário, boa tarde.”
Fim.

Crise de valores... todos os valores!


quarta-feira, 9 de novembro de 2011

País de miséria ou miséria de país!?

Mercados financeiros, o camandro!!


Só cá é que os maganos dos mercados financeiros não afundam ninguém!
Cavacos, Albertos Joãos Jardins... tudo gente composta e disposta a ajudar a poupar... para o seu bolso, e ainda ficam agarrados às 'bóias' enquanto o país inteiro se afunda por causa da sua ganância e falta de escrúpulos. Gentinha ordinhária!!

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Entre Tântalo e Sisífo...com Prometeu pelo meio.


A velocidade alucinante dos últimos dias deixa qualquer mortal incrédulo. E com medo. E o medo é um excelente argumento:

"O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis
Vai ter olhos onde ninguém o veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no teto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos

O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
ótimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projetos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com a certeza a deles

Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados

Ah o medo vai ter tudo
tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)

O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos"

A ratos...pois. Por isso, prefiro Prometeu. Sempre roubou o fogo aos deuses para o dar aos homens. O conhecimento liberta do medo. Por isso os deuses castigaram Prometeu. Por isso a Liberdade foi conquistada pelos homens.

Ditamole - A Ficção Paralamentar



Quero dizer aqui uma coisita simples, uma confissão, um desabafo, o que lhe quiserem chamar.
Esta história da democracia, que os comensais anafados da liberdade dos outros, afirmam ser o menor dos males no que à participação popular diz respeito, é uma grande tanga! Uma falácia! Um mito!
“ A minha liberdade acaba onde começa a liberdade dos outros”. Então a liberdade é distribuída a retalho? Todos temos uma parcela só nossa? Neste quadro, tenho de me sujeitar ao facto de alguns terem uma parcela muito maior do que a minha? Caso não concorde, para afirmar a minha liberdade tenho de invadir a dos outros? Não me parece.
“Em democracia, a maioria decide.” Mas que maioria? O que é isso da maioria?
Mesmo que essa maioria existisse e não existe, existem múltiplas maiorias ocasionais, algumas delas altamente improváveis, (por isso inventaram os referendos) como é que ela poderia sustentar em cada momento a sua própria existência? Constituindo um banco de liberdade, em que os cidadãos periodicamente depositassem numa caixa, a prazo, os seus títulos de liberdade individual? Mas nesse caso a liberdade deixaria de ser individual, não começaria nem acabaria na liberdade dos outros… aliás nem seria liberdade, seria um endossamento da mesma à maioria. E depois? Como decidiria a maioria? Atribuiria o poder de decisão a alguns cidadãos mandatados para isso? É uma decisão bastante cruel e que vai contra a essência deste tipo de liberdade, já que sobreporia o interesse da maioria à liberdade desses cidadãos decidirem por si. Contradição insanável.
Por outro lado, sendo a liberdade distribuída de forma pouco transparente e desigual, o que garante que a maioria não seja apenas expressão da vontade daqueles que têm uma liberdade maior? Nesse caso os titulares de pequenas liberdades ver-se-iam excluídos do poder… se partirmos do princípio que eles são em maior número, este tipo de representatividade não funciona.
Enfim, não sei muito bem o que quer dizer essa história da democracia… parece-me mais uma forma de arrebanhar a liberdade de todos e beneficiar apenas alguns… às tantas os mesmo que beneficiariam com uma ditadura.
Proponho por isso que se altere o nome de democracia para ditamole.

domingo, 6 de novembro de 2011

Um sonho que eu tive


        

A minha madrinha Roque deu-me uma moeda de vinte e cinco tostões para ir comprar rebuçados à loja do Maurício Matias, que ficava no outro lado da rua.
Lá fui eu todo lampeiro com a pequena moeda de prata na mão fechada. Ao entrar na venda, que à época era também uma casa de vinhos e petiscos, deram em estralejar foguetes lá para os lados do Pupo. "Que é que se passa?" Ouvi alguém perguntar. "O Botas caiu de uma cadeira e está a bater a caçuleta," respondeu uma voz vibrante de alegria.
Que raio, pensei eu, então o Constantino cai da cadeira, fica às portas da morte e as pessoas põem-se a festejar, fiquei com pena do Constantino Botas, homem simpático, meu vizinho, até me contava histórias de polícias e ladrões… que gente mais desumana.
Entretanto o Maurício convidara todos os presentes para beberem um copo e, a mim ofereceu-me uma laranjada da rical, claro que me recusei a aceita-la, jamais faria essa desfeita ao meu amigo Constantino. Mas de repente, ei-lo que aparece a dobrar a esquina, todo contente, de sorriso estampado no rosto.
"Então você não caiu da cadeira sr Constantino?" Gargalhada geral.
"Não rapaz, foi o outro botas, o velho corvo, lá em Lisboa, eu ainda estou para durar, bebe lá a tua laranjada que é dia de festa, e guarda o dinheiro, que hoje sou eu quem te oferece os rebuçados".
Devia ser tramado esse velho Botas, para as pessoas ficarem tão contentes com a sua triste sorte.
Quando cheguei a casa, a madrinha Roque estava a chorar, de contentamento disse ela, e de saudades também, lembrara-se do meu bisavô Sampaio, o seu pai, que haveria de ter gostado de ouvir a notícia. Demasiado tarde, já que ele tinha morrido há um par de anos. Mas, mais vale tarde do que nunca. Assim talvez o meu primo Quim não tivesse que ir para a guerra. Depois calou-se e mandou-me ir brincar com o Manuel António, que morava ao fim da rua e era filho do Amarino latoeiro.
À porta da taberna lá estava o Ciroila, de beata ao canto da boca e o jornal enfiado entre a jaqueta e o braço esquerdo, coisa estranha essa do Ciroila se especar ali horas a fio com o jornal debaixo do braço, ele, que nem ler sabia…
Quando perguntei ao meu avô a explicação para tal bizzarria ele mandou-me calar e disse que tudo tem o seu tempo, que mais tarde perceberia o porquê da coisa e eu não insisti.
Muitos anos se passaram sem mais foguetes. Entretanto eu crescera, as minhas dúvidas foram-se dissipando e aos poucos, no seu lugar foram-se instalando certezas, primeiro frágeis, tímidas, depois cada vez mais seguras, mais intensas. Percebera entretanto os motivos do foguetório e, já há muito entendera o código do Ciroila. O meu primo Quim já tinha vindo da Guiné e eu preparava-me para ser o próximo da lista, ou então para dar o salto até outras paragens.
Foi então que os foguetes surgiram de novo, com uma força renovada. Só que desta vez, não eram apenas uns tímidos petardos de fim de tarde.
Na rádio ouvia-se Grândola e as pessoas dançavam e a vida era finalmente uma festa e a primavera era por fim eterna e nós merecíamo-la porque sim, apenas porque sim e éramos felizes e pronto.
Se a madrinha Roque fosse viva iria certamente lembrar-se do meu bisavô Sampaio e do seu amigo Militão e se o Maurício Matias cá estivesse, de certeza que estaria a pagar copos a toda a gente e até mesmo o Ciroila poderia largar de vez o jornal e, quem sabe, aprender a ler.
As pessoas saíam à rua e falavam, falavam, falavam, como se nunca tivessem dito nada que valesse a pena e fosse a altura de recuperar o tempo perdido e as crianças olhavam os adultos com os seus enormes olhos de ver e falavam também e perguntavam e ninguém lhes retorquia que mais tarde haveriam de perceber os porquês de agora.
Aos dias se seguiram dias, aos meses se seguiram meses, até que um ano se esgotou.
O meu amigo Constantino começara a escrever no jornal da terra, artigos de opinião, dizia ele, já que opinião sempre tivera, mas expressá-la assim preto no branco e em letra times, era um luxo da democracia, dizia também que escrever no jornal da terra era cultivar a diferença, e que a diferença não se resumia a um sim ou sopas entre a direita e a esquerda.
Eu também sentia que os foguetes já tinham mirrado o seu poder de encantar e que toda a gente de tanto falar, se tinha arredado da importância de ouvir e que acabada a festa, recolhidas as canas, havia o terreiro para arrumar.
Poucos tinham muita terra, muitos, terra nenhuma e alguns, os fazendeiros, iam tendo alguma e davam-se bem, alguns deles não temiam o futuro, outros sim e esses facilmente se encantavam nas palavras dos agricultores.
“Na Suécia, país de eleição e de belas mulheres, se vêem alguém bem na vida logo pensam no que fazer para o alcançar, querem ascender os suecos, cá não, se alguém está bem, tratam mas é de o derrubar e é por essas e outras que nunca seremos nada.”
Culpados disso, os infames comunistas, que do trabalho fogem, como belzebu fugiu da cruz. Guardam armas para a revolução e ocupam as terras férteis que outros trabalharam, esquecem-se eles que cada um tem o seu lugar e nasce predestinado. Somos como os dedos da mão, uns servem para umas coisas, outros para outras.
Não eram poucos, aqueles que se sentiam o dedo que preme o gatilho. Os ânimos estavam exaltados.
Constantino sabia disto e de muito mais e pregava como Cristo no deserto, como adiante se verá.
Em tarde amena convidou-me para um passeio e rumamos até Azambuja, na herdade Torre Bela celebrava-se a revolução, sem cravos, mas com os soldados do lado do povo, julgava eu, o ingénuo espectador do sonho. Toda a esquerda lá estava em romaria, de violas a enxadas, tudo se registava de câmara em punho para a posteridade, era o povo a esconjurar.
No regresso vim cheio, eu e outros… todos queríamos o nosso lugar, enxada ou viola, formiga ou cigarra tanto fazia, era preciso navegar.
Em Alpiarça, terra brindada pelo Estado Novo com uma secção especial da D.G.S. todos se mexiam, impressionante formigueiro esse dos seareiros Alpiarçolhos a percorrerem os trilhos da revolução, todas as casas agrícolas abanavam e uma após outra iam cedendo, alguns agricultores desesperavam no calor do Brasil, como D. João VI. Outros como os da Lagoalva reciclavam-se em democratas e cantavam virtudes trotskistas.
Em Almeirim a história era outra, lá estava-se mais próximo de Rio Maior que da Azambuja. Muitos fazendeiros temiam-se das ocupações, julgavam eles que a fome do povo se saciaria com meia dúzia de hectares e por esse erro se juntaram às grandes casas, exército sem soldados, feito de sargentos e generais, do temor dos sargentos, do cinismo dos generais, combinação explosiva.
Do lado que era o meu nessa baia das circunstâncias, poucas formigas havia, o PC não tinha a força de Alpiarça, havia esquerda sim, mas composta de muitas vontades em escala difusa. Abespinhavam-se uns, melindravam-se os outros e surgiam figuras elevadas do magote, a tentar dar sentido à coisa, tarefa vã, mas na altura não sabíamos o que vivemos até hoje.
Constantino como coro de teatro clássico pregava a tragédia que só ele pressentia.
Organizavam-se excursões a Rio Maior, brandiam-se mocas, davam-se tiros para o ar na Berbéria do Ribatejo, mas por baixo onde estavam enterradas as g3, o silêncio fervia.
O verão ia quente nesse ano e como de costume Almeirim tirou folga e abalamos todos para a Nazaré, no passeio marítimo as pessoas cruzavam-se e contavam-se espingardas, todos se olhavam de soslaio, cumprimentavam-se baixando a cabeça num gesto de enfado, como se o outro estivesse a mais, como se tivesse de ser removido do seu mundo, removido e depois já não se falava mais disso.
O país a ferro e fogo, nas cidades os papo-secos organizavam comícios, as sedes dos partidos vandalizadas, as torneiras dos quartéis iam pingando armas, bombas detonavam aqui e ali, um pouco por toda a parte os cravos iam murchando…
Em Novembro o Tiraolhos, fuzileiro reformado, chegou até nós e disse que tinha chegado a hora, não percebemos logo que hora seria, se boa se má. Tudo combinado, cortar acessos, ocupar a cooperativa, os bombeiros, o quartel da GNR e a esquadra da PSP. O pessoal da Alorna e do Casal Branco já estava avisado. Iria ser no fim do mês, não dava para esperar mais, o país inteiro com a revolução, o povo em ânsias de igualdade.
Havia que ir buscar as armas, espalhadas por vários sítios, para depois as distribuir, que tudo ficasse entre nós. Mas não, alguém ouviu e contou.
No dia seguinte de noite fui com o Tiraolhos e o Milhão à charneca, a uma fazenda do Gaudêncio, desenterrar armas que por lá havia, chovia miúdo, chuva de cortina.
Desenterramos as armas, ouvimos um restolhar por entre as vides e depois um tiro, outro tiro. Ao nosso lado, esventrado, o corpo morto do Tiraolhos.
Fugimos, sem armas, sem dignidade, miúdos que éramos ainda.
25 de Novembro, em Lisboa tudo se tinha esfumado, num ápice.
Nós a chorar a morte do Tiraolhos, também já não valia a pena.
O Tiraolhos foi a enterrar num dia de chuva. Todos nos abrigamos debaixo da tília enorme do cemitério, todos sem excepção, até mesmo os que o tinham morto, que toda a gente sabia quem eram, mas ninguém sabia quem foi. Todos na terceira margem da barricada.
No fim o Constantino encolheu os ombros e disse.
O povo é sereno.



Les Bourgeois

Esta Europa cada vez mais velha, cada vez mais burra...

Portugal e a Crise


sexta-feira, 4 de novembro de 2011

A Brincadeirinha



De repente a Europa tremeu, o Primeiro-Ministro grego encenou um teatrinho, uma partidinha, e aventou a possibilidade de se proceder a um referendo no seu país para ratificar o novo pacote de “ajuda” imposto pelos credores.
Que crédulos somos! Afinal era uma coisa para consumo interno, feita a modos de forçar a assinatura na sentença de morte. 
Com uma resposta positiva no referendo os gregos caminhariam voluntariamente para o patíbulo e o capital descansaria. O retorno da especulação estaria garantido sem grandes agitações, o Primeiro-Ministro seguraria o seu cargo e a oposição de direita extrema ficaria caladinha e teria de continuar a contentar-se com os lugares garantidos no Parlamento, por via de uns resultados eleitorais que já pertencem à história.
Mesmo assim os zelosos capatazes do Capital reuniram-se na terra dos francos, sob o patrocínio dos seus patrões e pregaram um grande raspanete ao brincalhão. Ameaçaram-no com as penas do inferno, disseram inclusive que não haveria mais dinheiro nenhum se ele insistisse nessa ideia bizarra da democracia e da soberania e da participação popular. Informaram-no que se insistisse na concretização absurda do referendo, a Grécia (logo a Grécia) deixaria de ser Europa, quiçá de fazer parte do mundo ocidental... Ameaçaram-no com  hordas de Celtas e Nibelungos soltas nas terras de Péricles. Suprema devastação, fome irremissível, miséria absoluta, sei lá que mais.
Tanta ameaça faz desconfiar. Talvez porque atrás da Grécia outras Grécias viessem, talvez porque de repente se revelasse quão ilegítimo é o seu poder, talvez porque saibam que apesar de tudo o seu tempo está a chegar ao fim e que a fome e a miséria sejam inevitáveis, porque foram eles com a sua criminosa irresponsabilidade que as lançaram.
Por cá os açafates deste poder obscuro apressaram-se a dizer ámen aos donos, abanado a cauda, saltitando obedientes à espera do osso, enquanto comentavam entre si que afinal as coisas poderiam ser diferentes, mas que agora é tarde, que afinal são bons aprendizes e não se incomodam com as vergastadas que o seu povo recebe.
Em relação à Grécia, acabou, não existe mais. Agora só nos livros de história, mais tarde, apenas como nota de rodapé, depois confundida com a Atlântida, quem sabe…

"You! Yes, you! Stand still laddy!!"


quinta-feira, 3 de novembro de 2011

PUSSY!!!


O Grito de Sólon



O grande contributo grego foi humanizar os deuses.
Foi esse o grande salto civilizacional, porque humanizando os deuses, deixámos de deificar os homens e a democracia nasceu.
Em Atenas no séc. VI AC. anularam-se as dívidas dos pobres perante os ricos, os cidadãos foram chamados a participar na gestão da cidade, floresceu a arte, a ciência, floresceu o mundo.
Só por isso (e não é pouco) aos gregos, a minha eterna gratidão!
Agora de novo em Atenas, um homem se levanta e afirma a necessidade de dar a voz ao povo.
De voltar a humanizar os deuses (não serão os mercados deuses?) de forçar colectivamente um destino que nos é comum.
Que importam as causas que o levaram a tal se a sua mensagem está ali, explícita, incontornável: Não somos nós que controlamos as nossas vidas! Abdicámos delas quando nos deixámos levar no engodo de que alguém velaria o nosso sono, de que alguém sábio e avisado e incomparavelmente mais apto que nós, nos encaminharia e protegeria e em troca não pediria nada, apenas o silêncio. Mas o silêncio é tudo! Porque o silêncio é sepulcral.
Se não juntarmos a nossa voz ao choro de Atenas morreremos com ela e então nada terá valido a pena, nenhuma esperança, nenhum sacrifício, nenhuma vida entregue à causa suprema da Liberdade.
Prefiro ser livre! Prefiro o desconforto da luta, a incerteza do amanhã, a qualquer grilheta, mesmo que dourada.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Grécia: política a ferros

Épa, tu queres ver que a Grécia vai voltar a dar lições de ética ao mundo, mostrando que a Democracia como regime político continua a valer a pena!?!?


Pois, ao que parece, a Democracia é perigosa! E BEM!!!

Psalmos, 109:4-13

(Cavalcanti)

Em paga do meu amor são meus adversários... quando for julgado que saia condenado... Sejam poucos os seus dias e outro tome o seu ofício. Sejam órfãos os seus filhos e viúva a sua mulher. Sejam vagabundos  e mendigos os seus filhos e busquem o seu pão longe das suas habitações desoladas. Lance o criador mão de tudo quanto tenha e despojem-nos os estranhos do seu trabalho. Não haja ninguém que se compadeça dele, nem haja quem favoreça os seus órfãos. Desapareça a sua posteridade, o seu nome seja apagado na seguinte geração.