Ao ouvir o discurso do
Presidente da República, proferido hoje, no âmbito das comemorações do 5 de
Outubro, uma suave brisa de alento refrescou o meu coração.
Percebi de forma
nítida que o homem não sabe ao que anda e quem não sabe ao que anda não
representa grande perigo para a navegação, porque se limita a evitar possíveis
escolhos.
A partir de hoje, na
geografia do meu desencanto, Boliqueime passa a ser apenas uma terreola com
bombas de gasolina lá para as bandas do Algarve.
Assunto encerrado.
Apesar de tudo, quem
lhe redigiu o discurso, deixou no ar duas ou três ideias perniciosas, que
enquanto cidadão gostaria de ver aprofundadas.
A primeira das quais
constitui um neo-conceito. A “austeridade digna.” Isso é coisa de senador
romano, de homem com poder e posses, que tendo noção da escassez de meios dos
seus concidadãos, afirma a sua solidariedade adoptando uma forma de vida
austera, que não destoe do comum cidadão, que, esse sim, passa por dificuldades
acrescidas.
A “austeridade digna”
é aquela que leva quem detém o poder a incluir-se e a pugnar pela melhoria de
condições de vida de todos por junto e por igual.
O autor da referida
alocução fez certamente confusão entre “austeridade digna” e “sofrimento
estóico,” que sendo conceitos distintos às vezes se confundem, precisamente por
aqueles que desconhecem o significado da palavra austeridade.
Uma outra ideia,
peregrina, diga-se de passagem, consiste na admissão de que andámos todos a
gastar acima das nossas posses. Coisa estranha… já que não me recordo de a
maioria dos portugueses ter sequer posses. Desde a fundação da nacionalidade,
contam-se pelos dedos de uma mão, as ocasiões em que a generalidade das pessoas
viveu momentos de relativo desafogo.
O que é certo e
consabido, é que de uma forma ou de outra, meia dúzia de famílias, têm
conseguido - através de privilégios, como o monopólio do tabaco por exemplo, e
de sinecuras – manter-se no controlo do poder económico e decorrentemente do
político. Esses sim, têm gasto acima das “nossas” posses e têm afundado ciclicamente
a economia do país.
Interroguemo-nos
desapaixonadamente durante quantos anos se viveu em Portugal uma democracia
efectiva, sem a tutela do poder económico, logo sem a tutela dessas mesmas
famílias?
Por fim aludiu o
títere ao investimento, ao mar, à agricultura, mas quem lhe pôs as palavras na
boca, esqueceu-se que mar em Portugal, só para banhos, que agricultura, só com
as terras disponibilizadas para quem quiser viver delas, (a não ser que se
espere que os frutos caiam da árvore dos subsídios) que sem investimento, sem
apoios à produção, sem riscos, nada se consegue, é que a nossa austeridade não
é digna. A nossa austeridade é pobreza, desencanto, falta de esperança.
Por fim, gostaria que
alguém se tivesse lembrado da corrupção, do compadrio, do medo, do silêncio
cúmplice, da ausência de direitos… em suma que alguém por uma vez tivesse feito
juz a um conceito importante e pelos vistos caído em desuso: A Dignidade.
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