Tendemos a ver o mundo
à luz da nossa candeia.
Esquecemo-nos que os
nossos problemas são apenas sintomas de um mal maior. Numa sociedade
globalizada como a nossa, tudo o que se passa num qualquer lugar tem reflexos
em toda a parte, esta é uma realidade que não podemos iludir.
Várias causas se podem
apontar para a génese da actual crise, mas apenas uma é transversal às outras:
a desigualdade social.
Não é possível o
desenvolvimento sustentado num mundo em que 1% dispõe de mais de 20% dos bens,
deixando o resto para os restantes. Mas o resto é um arco-íris da desgraça,
porque mesmo entre os 99% os bens disponíveis não são repartidos de forma
justa.
A vasta imensidão das
gentes, tem menos que nada, porque acresce ainda à sua miséria a exploração e a
exclusão de que é vítima.
Esta é a realidade!
Seria crível que numa
sociedade tão desenvolvida tecnologicamente, o “ser” se sobrepusesse de forma
categórica ao “ter,” já que existem meios mais do que suficientes para que as
mais básicas necessidades de qualquer um de nós estejam à partida satisfeitas.
O que falta então?
Falta em primeiro
lugar a vontade de comunicar, o entendimento de que só é possível criar
sinergias através da diferença e que quantos mais pólos existirem, mais nos
enriqueceremos enquanto sociedade.
As diferenças não são
fronteiras, são horizontes.
O lado do “ter”
digamos assim, baseia-se numa falácia perigosa, que por tanto repetida se
transformou num paradigma gerador de pesadas injustiças, sustenta-se o axioma
de tudo ter um valor intrínseco. Não é verdade!
A tudo se atribui um
valor e a partir daí tudo terá um preço, tudo se avalia em função de uma regra
comum. Como será isso possível?
Através da sua
dispensabilidade?
Mas haverá algo
indispensável além do ar e da água? Só que com esta premissa até o ar e a água
têm preço…
Ninguém neste mundo é
mais do que pode ter, quando a regra deveria ser a oposta, ou seja, todos são
para além do que possam ter. Ter é um mero instrumento para a afirmação do ser,
é a cana de pesca cósmica.
Quando se desvaloriza
o trabalho na sociedade do “ter,” desvaloriza-se o esforço que o trabalho representa.
Quando se valoriza o trabalho na sociedade do “ser,” valoriza-se o conforto
(físico, intelectual, etc.) que esse trabalho proporciona.
Numa sociedade
desenvolvida as crianças são um bem inestimável, são o sentido da vida, todas
são responsabilidade de todos e todas são uma bênção, não um fardo, a sua
educação não pode ter fronteiras, não pode estar sujeita a ditames circunstanciais, elas terão de ser apoiadas no seu crescimento assumido como um desabrochar, terão de ter sempre a possibilidade de criarem
o seu caminho. Não é isso que se passa, a maioria vê ser-lhe negada a
hipótese de ter sequer liberdade para jogar, para brincar, para ser gente
inteira. Outros em lugar de acederem à educação autentica, são integrados numa
conveniente linha de montagem, a “empregabilidade,” passam a ser
meros objectos de perpetuação do sistema, anestesiados, transeuntes de vidas extemporaneamente
anquilosadas.
A saúde não é a
superação da doença, é a ausência dela. Como ela é encarada, é consequência do que antes afirmei; numa sociedade que valoriza o “ter” as pessoas passam a ser fungíveis, com
prazos de validade, esgotam-se, e enquanto força de trabalho terão de ser substituídas.
Se não produzem são custos, logo excedentárias, logo descartáveis.
A forma de as eliminar
é sibilina. São mandadas para um limbo em que não sejam numeráveis, deixam de
ter nome, são-lhes cerceados direitos (nunca vi um sem-abrigo com cartão de
crédito, com nº de segurança social, com NIF) deixam na prática de existir, e
se ainda damos por elas é porque a sua única utilidade é servirem de lembrete, de
aviso funcional, expostos com a dignidade roubada enquanto à sua volta a opulência
grita: É isto que te acontecerá se não seguires o carreiro, se não te irmanares
no rebanho.
São lembradas no
Natal, em directo, ao vivo e a cores, para que ninguém esqueça que o grande
irmão está atento.
Por tudo isto
desejo-vos boas festas.
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