quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Brandos Costumes


Não é certo que uma mentira, mil vezes repetida, se transforme em verdade. Como não é certo que sejamos um povo de brandos costumes, só porque essa efabulação é conveniente aos transitórios ocupantes do poder.
Deu jeito ao Estado Novo, dá agora jeito aos seus descendentes.
Imagino as nossas hordas medievais, nas suas sortidas pelo sul, a distribuírem abraços e beijos enquanto com meiguice expulsavam aqueles que há séculos o habitavam. Contemplo com um ternurento e cúmplice olhar as conquistas do norte de África e o comércio de escravos na Guiné. Um sopro quente de complacência invade-me a alma ao recordar a epopeia de Afonso de Albuquerque e de outros Vice-reis, ou o esforço evangelizador em terras de Vera-Cruz.
Sinto inconfessável nostalgia, quando perpasso os olhos pelos registos da sã camaradagem dos cárceres da Inquisição e das coloridas festas dos autos de fé.
Sorrio ao consultar os sãos debates das guerras liberais, ou da genuína e doce afectividade de Maria da Fonte.
Orgulho-me do meu país pela política de integração compassiva de Mouzinho, pelo desvelo empregue nas roças de São Tomé, pela sublime delicadeza de João Franco, pela homenagem carbonária a D. Carlos, pela visão pacifista de Afonso Costa na tragédia da Primeira Grande Guerra.
Vejo Sidónio no Paraíso à direita de Deus Pai, sentado ao lado de Ghandi.
Emociono-me com a PVDE, depois PIDE, mais tarde DGS e o seu esforço tranquilo para preservar os valores da Igreja e da Pátria, arrepio-me com a Mocidade Portuguesa fardada e garbosa, e com a Legião Portuguesa, com a dignidade de Salazar ao conceder a Aristides Sousa Mendes a justa reforma por ter salvo milhares de vidas das garras nazis.
E o que dizer da acção pacificadora dos nossos exércitos em África? Da forma desinteressada com que os nossos jovens se imolavam numa guerra imposta pelos violentos independentistas? No modo paternal com que Salazar proferiu a célebre frase, “para Angola já e em força”? Com essa cálida força do amor fraterno que nos levou a libertar milhares de patriotas do seu sofrimento?
Houve de facto uma excepção aos nossos brandos costumes… foi a inusitada violência dos cravos. Mas felizmente já nos recompusemos.
Já temos de novo quem olhe por nós e nos imponha limites, já temos de novo uma polícia de proximidade e serviços de informação que sabem ouvir a voz do dono, já temos de pagar de novo a saúde e a escola e os transportes e a electricidade e a água, já temos de novo patrões compassivos que nos indicam o caminho da felicidade, já temos até, pasme-se, um parlamento finalmente posto no lugar e um Presidente ausente, como um pai bíblico, sempre disposto a desculpar os pecadilhos dos filhos dilectos.
Não sei é se os nossos brandos costumes darão para tanto…
De qualquer das formas, quero aqui deixar uma proposta ao nosso ministro dos Negócios Estrangeiros. Quando arranjar tempo dê uma saltada a Cabo Verde e proponha-lhes transformar o Tarrafal num museu. Seria o “Museu dos Brandos Costumes”, era bonito e o povo ficava feliz…
(imagem daqui)

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