Não é certo que uma
mentira, mil vezes repetida, se transforme em verdade. Como não é certo que
sejamos um povo de brandos costumes, só porque essa efabulação é conveniente
aos transitórios ocupantes do poder.
Deu jeito ao Estado
Novo, dá agora jeito aos seus descendentes.
Imagino as nossas
hordas medievais, nas suas sortidas pelo sul, a distribuírem abraços e beijos
enquanto com meiguice expulsavam aqueles que há séculos o habitavam. Contemplo
com um ternurento e cúmplice olhar as conquistas do norte de África e o
comércio de escravos na Guiné. Um sopro quente de complacência invade-me a alma
ao recordar a epopeia de Afonso de Albuquerque e de outros Vice-reis, ou o
esforço evangelizador em terras de Vera-Cruz.
Sinto inconfessável
nostalgia, quando perpasso os olhos pelos registos da sã camaradagem dos
cárceres da Inquisição e das coloridas festas dos autos de fé.
Sorrio ao consultar os
sãos debates das guerras liberais, ou da genuína e doce afectividade de Maria
da Fonte.
Orgulho-me do meu país
pela política de integração compassiva de Mouzinho, pelo desvelo empregue nas
roças de São Tomé, pela sublime delicadeza de João Franco, pela homenagem
carbonária a D. Carlos, pela visão pacifista de Afonso Costa na tragédia da
Primeira Grande Guerra.
Vejo Sidónio no
Paraíso à direita de Deus Pai, sentado ao lado de Ghandi.
Emociono-me com a
PVDE, depois PIDE, mais tarde DGS e o seu esforço tranquilo para preservar os
valores da Igreja e da Pátria, arrepio-me com a Mocidade Portuguesa fardada e
garbosa, e com a Legião Portuguesa, com a dignidade de Salazar ao conceder a Aristides
Sousa Mendes a justa reforma por ter salvo milhares de vidas das garras nazis.
E o que dizer da acção
pacificadora dos nossos exércitos em África? Da forma desinteressada com que os
nossos jovens se imolavam numa guerra imposta pelos violentos independentistas?
No modo paternal com que Salazar proferiu a célebre frase, “para Angola já e em
força”? Com essa cálida força do amor fraterno que nos levou a libertar
milhares de patriotas do seu sofrimento?
Houve de facto uma
excepção aos nossos brandos costumes… foi a inusitada violência dos cravos. Mas
felizmente já nos recompusemos.
Já temos de novo quem
olhe por nós e nos imponha limites, já temos de novo uma polícia de proximidade
e serviços de informação que sabem ouvir a voz do dono, já temos de pagar de
novo a saúde e a escola e os transportes e a electricidade e a água, já temos
de novo patrões compassivos que nos indicam o caminho da felicidade, já temos
até, pasme-se, um parlamento finalmente posto no lugar e um Presidente ausente,
como um pai bíblico, sempre disposto a desculpar os pecadilhos dos filhos
dilectos.
Não sei é se os nossos
brandos costumes darão para tanto…
De qualquer das formas,
quero aqui deixar uma proposta ao nosso ministro dos Negócios Estrangeiros.
Quando arranjar tempo dê uma saltada a Cabo Verde e proponha-lhes transformar o
Tarrafal num museu. Seria o “Museu dos Brandos Costumes”, era bonito e o povo
ficava feliz…
(imagem daqui)
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