quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Dobregados


Dobregados vão os barcos quando as bordas ficam rentes à água do mar.
Dobregados vamos nós, rentes também à água do mar, prestes a afundarmos, carregados de lastro iníquo de impostos, de cortes, de vida miséria.
Habitamos um país que renunciou a ser Estado, um território governado desonestamente por gente que se amanha, que zela pelos interesses dos donos, como mascotes amestradas, feitas à escala humana, treinadas no circo do fingimento, alimentadas das migalhas que caem do pão que os seus mestres roubaram.
Nos guetos havia polícia que aguentava a vida dos guetos a troco da repressão sobre os seus. Repressão a mando dos opressores, repressão cega, hedionda, letal. Dignidade vendida por trinta dinheiros, com direito a bastão, comida e estrela de outra cor.
Dobregados de infâmia vamos nós que temos filhos e nos sujeitamos ao crime. Nós que abdicamos de amanhã a troco de mais um hoje esfarrapado e sujo e pobre.
Querem agora inventariar pobres, para que nos esqueçamos que pobres somos todos, indigentes, sem liberdade, sem rumo, sem auto-estima, sem sim nem não; apenas com o amen dos tristes, dos pobres de espírito que ainda não atigiram que se os ricos não conseguem encolher os camelos, de certeza aumentarão o buraco da agulha, porque o reino dos céus é um condomínio privado que eles habitam há muito.

domingo, 28 de agosto de 2011

histórias da minha infância com j. brown à mistura

Era uma vez um lobo que não era mau, mas estava esfomeado, e uma cabra russa distraída, que se deixou apanhar pelo lobo esfomeado, que também era um bocado pateta.

- Cabra russa eu vou-te comer. Disse o lobo.

- Não me coma por favor, senhor lobo, que eu ainda sou muito nova e além disso sou muito magrinha, praticamente só pele e osso. Respondeu a cabra.

- Como não? Perguntou o lobo. Se eu estou cheio de fome, há já três dias que não como nada, vou-te comer sim senhor.

Dito isto, o lobo abriu a bocarra cheia de dentes afiados e preparou-se para comer a pobre cabra russa.

- Não senhor lobo, não faça isso. Disse ela muito assustada, como o lobo hesitou só um bocadinho, ela encheu-se de coragem e urdiu uma história para se safar daquela triste situação.

- Sabe senhor lobo é que eu tenho três filhotes lá em casa, e se me apanhou aqui, isso deve-se à precisão que eu tenho de os alimentar.

É verdade, vim só buscar umas ervinhas para eles comerem, coitaditos.

- E isso que me importa, retorquiu o lobo, se eu estou com fome, como-te, eu sou um lobo, logo quando tenho fome como cabras como tu, ou cabritinhos como os teus filhos…

- Pois aí é que está o problema, se me comer antes de eu lhes levar comida, de certeza que eles morrem de fome. Melhor fora que os comesse também.

- O que estás para aí a dizer? Queres que eu coma os teus filhotes?

Perguntou o lobo intrigado.

- Sim, ao menos se os comer eles não ficam sozinhos no mundo e eu posso morrer descansada.

- Mas então como é que fazemos?

- É simples, o senhor lobo deixa-me ir a casa buscá-los. Vou num pé e volto noutro, garanto-lhe.

- Olha lá cabra russa e como é que eu sei que tu não estás a enganar-me, heim! Que tu voltas mesmo com os teus filhotes para eu vos poder comer.

- Ai senhor lobo, que até fico ofendida com tanta desconfiança. Mas se duvida da minha palavra, façamos o seguinte, o senhor lobo vai ali para aquele outeiro, de onde pode ver tudo em redor, reza três missas pequeninas e quando as acabar já eu estou de volta.

- Então está bem, concordou o esfomeado.

Dito isto o lobo lá foi para o tal outeiro e a cabra russa começou a correr em direcção a casa com quantas forças tinha.

Chegado ao cume do outeiro, começou o lobo a sua arenga.

- Réu réu réu, três croinhas para o chapéu, estás aí ó cabra russa.

E ainda perto ouviu-se

- Estou estou, vai cantando que eu já vou.

- Réu réu réu, três croinhas para o chapéu, estás aí ó cabra russa.

Já mais longe, ainda se ouviu.

- Estou estou, vai cantando que eu já vou.

- Réu réu três croinhas para o chapéu, estás aí ó cabra russa.

Nada.

- Réu réu réu, três croinhas para o chapéééuuu, estás aííí ó cabra ruuuussaa.

Nada.

- Réu réééu réééuuu, três croiiiinhas para o Chapéééuuu, estááás aíiii ó caaaabra ruuuussaaaa!!!

Nada.

Foi então que o palerma percebeu a tramóia. Furioso correu até casa da cabra, mas quando lá chegou a porta estava bem trancada.

Furioso o lobo resmungou.

- Desde que sou lobo cão, nunca rezei três missas em vão.

Ao que a cabra em segurança e a rir à gargalhada respondeu.

- E eu, desde que sou cabra russa nunca me safei de tamanha escaramuça.

sábado, 27 de agosto de 2011

A Frátria A Mátria e a merda da Pátria


Então está bem. Há um ministro da educação que em Agosto de 2011, pleno séc. XXI portanto, afirma que os alunos não vão passar fome no que à escola diz respeito, está bem de ver. Este senhor é ministro num País que em Agosto de 2011, em pleno séc. XXI convém recordar, debate se as grandes fortunas devem ser taxadas, bem como as mais valias resultantes de operações bolsistas e etc e tal.
Entretanto a grande maioria dos concidadãos do tal ministro está a ser esmifrada até ao tutano. Com a iliteracia reinante e com mais de dois milhões de pessoas abaixo do limiar da pobreza, será pertinente a hipótese de mandar o pessoal todo para a escola... assim pelo menos teríamos almoço garantido e umas sandochas para o lanche, isto enquanto os senhores das tais fortunas insultuosas não se dignassem mandar o governo colectar-lhes umas migalhitas, está claro.
É por demais evidente que vivemos num modelo esgotado, que a social democracia já não dá resposta a rigorosamente nada e que a economia da desigualdade que ela visa proteger, não é mais a economia da desigualdade, antes um sistema em ruptura, cheio de "colesterol" prestes a dar o estoiro, fulminante, sem remédio.
Aquela coisa dos vasos comunicantes até faz um certo sentido, já que habitamos todos o mesmo planeta e sendo o dinheiro neste momento uma abstracção de iluminados, sem cor, nem cheiro, nem consistência e que dispensa bem espaços físicos de aforro, como o colchão de palha, ou os bancos, ou as panelas de ferro enterradas no quintal, poder-se-ia olhar mais para as pessoas, para as suas necessidades, do que para o tamanho dos seus bolsos.
Estou mesmo a ver o pessoal do papel a levar consigo as suas inestimáveis riquezas para as grandes pastagens do Manitu... Tá bem tá! Aliás esses tipos vivem a contra ciclo já que falamos das grandes pastagens. Se repararmos com atenção, enquanto vivos têm todos, ao contrário da maioria, casas com ar condicionado... enquanto que depois de mortos, ao contrário da malta, utilizam compartimentos estanques, para que não entre nem ar nem bicho. A solução é mesmo por os vasos comunicantes a funcionar, já que estamos em Agosto de 2001, séc. XXI, nunca é demais recordar.
Falam esses iluminados de Pátria, dos valores da Pátria, mas a pátria é o espaço castigador, do preconceito, da limitação pelo território. Gosto mais da Mátria, dos afectos, do encanto, do bem estar que só a sua doçura nos dispensa. A Frátria também não está mal; a minha há muito escolhi, é a dos deserdados, dos silenciados, daqueles que reclamam a sua parte neste talhão injusto que os donos das Pátrias traçaram com o nosso sangue.
A revolução não é pensada, não tem sequer de o ser. é tão somente a revolta em movimento, o resto se verá.
Por agora que se movam os revoltados, que a Mátria ajuda.

campos de beldroegas para sempre


saí de casa e apanhei um táxi sem dificuldade estava muito calor mas é quando eles se deixam apanhar melhor entrei

bom dia rua zero por favor ah você quer ser devolvido exclamou o motorista e riu-se fiquei calado não queria conversa mas ele olhou-me pelo retrovisor e perguntou quer ir de marcha atrás não obrigatoriamente disse sem paciência o táxi estrebuchou e resmungou qualquer coisa parecida como despachem-se ou segurem-se e o motorista apressou-se a controlar a direcção pois o carro já se tinha posto em andamento felizmente seguíamos em frente e as casas passavam depressa mas com cuidado parámos num semáforo estava vermelho e entoava baixinho um cântico revolucionário com barbas

com que então vai voltar suspirou o taxista não me leve a mal mas acho-vos piada não tem graça nenhuma interrompi seco a ver se o calava mas ele continuou não leve as coisas tão a peito você assim faz-se velho falava olhando pelo retrovisor que parecia estar a gostar da conversa mas viu-se obrigado a olhar em frente pois o táxi arrancou à bruta ainda no vermelho e eu mal tive tempo de me agarrar com ambas as mãos à porta da esquerda enquanto o carro virava à direita sobre duas rodas

casas ruas pessoas cães lojas sacos de plástico postes tudo num bailado desajeitado nervoso e sem fim mais um quarteirão e chegamos à rua zero não sei se quer entrar pelos negativos adentro perguntou-me o retrovisor com cara de motorista não obrigado fico mesmo na zero disse e foquei os olhos na magnífica rua que se abria como um grande ovo de nada

o táxi parou mesmo em frente a um par de namorados envergonhados que tirava fotografias junto à montra enjoativa duma drogaria azulada então paga ou não paga resmungou o retrovisor ah sim desculpe aqui tem obrigado disse e saí a porta fez pum e o táxi desfez-se esverdeado pela sarjeta abaixo que arrotou alarve às vezes acontece quando está muito calor

comecei a percorrer a rua com entusiasmo de turista apesar de já ter ouvido falar dela e das suas famosas casas de paredes transparentes lembrei-me então das palavras sábias da minha mãe filho se entras numa ficas como elas e só voltas a ser opaco depois do beijo do verdadeiro amor histórias mas mesmo assim quem se arrisca a ficar transparente para sempre

para não ser tentado seguia olhando para o chão e via que das pedras da calçada brotavam cachos de beldroegas esparramadas e carnudas não havia sombras e a rua que começara larga era cada vez mais estreita e duvidosa

uma rapariga cor de tijolo ultrapassou-me ofegante está calor disse com dificuldade e sem parar desapareceu na subida cada vez mais íngreme ganhei coragem e apressei o passo sentia o sol a queimar as formigas que corriam para os seus buracos escuros

algumas portas estavam abertas e podia ver lá dentro velhinhas vestidas de preto sentadas ao lado de cântaros de barro a transpirar água fresca mas era arriscado com licença disse uma voz atrás de mim e desviei-me para deixar passar um casal de mão dada pareciam os namoradinhos que tinha visto a tirar fotografias lá em baixo logo de seguida passou um grupo de mulheres e homens divorciados aos gritos seguidos por uma excursão de ex combatentes mutilados a cantar uma gaivota voava voava bolas quanto menos espaço mais gente se junta pensei e esgueirei-me o melhor que pude por entre cotoveladas e pisadelas e num derradeiro esforço a rua desembocou finalmente num largo deserto estranhei para onde foram todos

as casas em volta pareciam abandonadas e as beldroegas cresciam como palmeiras encostadas às paredes e para além de mim ninguém silêncio no centro do largo havia um bebedouro que me piscou o olho aproximei-me e abri a torneira que fez aquele barulho seco e engasgado dos canos quase vazios que logo se transformou no som dum rádio velho ao longe ouviam-se músicas antigas e vozes de locutores de outros tempos jovem dás-me lume disse uma voz cavernosa mesmo atrás de mim assustei-me virei-me e vi um sujeito escanzelado recostado numa espreguiçadeira de lona com ar de morto vivo e de cigarro apagado entre os dedos o senhor não devia fumar disse ao ver o seu ar cadavérico jovem dás-me lume insistiu está bem puxei do meu isqueiro e acendi-lhe o cigarro que se incendiou como um rastilho e em menos de dois segundos já o velho estava em chamas e logo explodiu com um estrondo delicodoce que me projectou pelo ar

por sorte caí em cima dum molho fofinho de beldroegas já colhidas e arranjadas atordoado ouvi ao longe o som do rádio que saía da torneira seca aqui posto de comando das forças armadas

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Finanças e Fé IV


A realidade é deveras cruel. E para terminarmos esta série de textos basta atentarmos nas notícias de ontem e de hoje: a receita fiscal cai porque os impostos aumentam. Caindo a receita, não se cumprem as metas do déficit, não se cumprindo as metas, é preciso mais receita. Como? cortamos os gastos do Estado e aumentamos os impostos, e assim sucessivamente...
Claro que foi isto que aconteceu na Grécia, é isto que está a acontecer na Irlanda ( a propósito já repararam que ninguém fala deles??).
O resultado é fácil de adivinhar: uma recessão estimada de 2 e picos por cento que na realidade será de 4 ou 5%, um aumento desemprego para níveis nunca vistos e, é este o ponto, a privatização e desmantelamento do Estado e de tudo o que der lucro, de preferência sem risco. Cumpre-se assim, o sonho liberal e paroquial da direita portuguesa. Aproximarmo-nos do modelo anglo-saxónico de capitalismo desregulado e eticamente irresponsável. ( Pois, é que Adam Smith era teólogo, antes de ser economista...enfim...com o fim do liceu, é normal que os bárbaros já tenham entrado em Roma...e que poucos tenham passado da vulgata).
E nós? E vós Portugueses?
Poucas opções restam. Menos ainda vontade de as discutir com seriedade.
Em primeiro lugar, uma solução europeia com a monetarização da dívida por parte do BCE. Impossível, a religião que professam impede-os de pensar nisso.
Em segundo lugar, uma posição de força junto dos parceiros do euro, ameaçando um incumprimento, de preferência em conjunto com outros países na mesma situação. Parece-me que o timing já passou, embora seja o que a França fará no final de 2012.
Em terceiro lugar sair do euro. Cedo ou tarde, mais cedo que tarde, será isto que vai acontecer.
Terminará assim, uma ideia interessante, mas assente em pressupostos errados. O fim da Europa. Talvez não. Mas isso é tema para outra posta.

P.S. Em tempos também professei nesta igreja neo-liberal. A realidade curou-me.

Ladrões de Bicicletas: A luta contra a austeridade não pode alimentar ilu...

Ladrões de Bicicletas: A luta contra a austeridade não pode alimentar ilu...: Portugal, embora num estado menos desesperado, também terá de se render à dupla reestruturação-desvalorização e, para tal, sair da zona euro...

Adriano Correia de Oliveira Tejo Que Levas as Águas

Albarde-se o Burro à Vontade do Dono


Esta crise que rasga o planeta não é entendível se não for abordada numa perspectiva que extravase as fronteiras da dignidade humana.
O gelo boreal vai desaparecer nos próximos anos, vai daí a coca-cola entretém-se por milagroso acaso a comprar glaciares no Chile...
O Vaticano doa 50 mil euros ao povo Somali, entretanto os contribuintes espanhóis são espoliados em 50 milhões de euros para custear a visita do Papa...
Milhares de conflitos ocorrem por esse mundo fora, com o inevitável cortejo de sangue e miséria e destruição, mas o negócio das armas prospera...
Dizem os entendidos que o dinheiro não traz felicidade, mas que ajuda... É mentira!!!! O dinheiro só proporciona o que se pode comprar. Compra-se o que se convencionou ter valor de troca, apenas.
Compra-se o poder.
Compram-se os bandalhos que gravitam em torno dele.
Compra-se porque existe sempre alguém disposto a vender, disposto a vender-se, disposto a alinhar num contrato privado de escravatura dourada e a alienar sem mandato a liberdade dos outros, esses sim, os  verdadeiros metecos, os espoliados, os silenciosos.
A oligarquia, mais os sátrapas, mais os funcionários dos sátrapas, no alto do Olimpo. O resto do mundo; das gentes do mundo, em baixo, a suportar-lhes o peso, de boca aberta, a recolher as migalhas que caem.
Em 2008 esses senhores de pelo lustroso e garras afiadas, na sua inextinguível cupidez, destruíram o precário equilíbrio do sistema financeiro, logo acorreram solícitos os sátrapas, a nacionalizarem os prejuízos, Para onde foi o produto do duplo saque?
Duplo porque nacionalizado e depois reposto. Criminoso porque continuam no poder, ocultos nos seus gabinetes, a fazer o que sempre fizeram. Em menos de nada voltamos ao mesmo, à especulação, ao roubo descarado, à desinformação, à destruição dos recursos planetários... e quem paga? Quem suporta os desmandos? Quem é morto e perseguido quando se revolta? Quando manifesta a sua indignação nas ruas do Cairo ou de Belfast ou de Londres ou de Damasco? Quem sofre nas favelas do Rio? Quem vegeta em Mumbai ou em Bogotá ou em Atenas?
Não tem de ser assim!
A nossa dignidade não tem cor, nem sexo, não se ajoelha perante deuses ocasionais, não existem homens à imagem de Deus, existem deuses à medida da conveniência de alguns... mesmo que se chamem lápis, ou mercado, ou outro nome qualquer e, os seus oráculos sejam em Delfos ou na City ou em Wall Street.  

domingo, 21 de agosto de 2011

Antonio Carlos Jobim - Aguas De Marco [14]

Reflexões no final de Agosto


Lê o jornal no café. O jornal que ali estava em cima da mesa. Passa-lhe o olhos por cima. Lê..Não. Acho que não. Está na esplanada. Felizmente.Pode fumar. Acende outro.
As férias estão a acabar. Que chatice. Nem gastou muito dinheiro. Uma semanita no Algarve. Pois...em casa da sogra. Não correu mal. Podia ter corrido melhor. Conseguiram comer uns camarões e umas ameijoas que os miúdos ficaram com a avó. Porra..caríssimo. Mas que diabo, não mereciam, não?
Há quantos meses não jantavam os dois? Sem os miúdos. Sim. Não se gastou muito.
E Setembro? Os livros...Porra...300 euros para um pelo menos...o outro será menos. Mas, bolas! mais de 300 euros com o resto da cangalhada toda: os lápis, as mochilas e os ténis e o fato de treino e o resto das coisas de EVT e mais não sei o quê! E as atividades? Vai ter de falar com a mulher e com os putos. Tem de arranjar uma alternativa. De borla. Ou pode ser que a avó se chegue à frente. Não é má pessoas. Até teve sorte nisso.
E o raio do seguro do carro, e o IMI que se acabou a isenção este ano. ..( Chiça! Já?!..).
Acende outro cigarro. Vai ter de cortar nisto. Os colegas, alguns, já se renderam aos de enrolar. Vai ter de ser. Ou deixa de fumar...Porra! Que vida! Nem fumar se pode.
Pois..os livros, o seguro, os impostos. ( Se calhar não devia ter comprado a casa...). Calma! Era o que faltava!
E os passes! Merda! Os passes. Para ele, para a mulher, para os putos. Tem de fazer contas. Se calhar fica mais barato ir de carro. Esse está quase pago! Mas com a revisão lá em Dezembro, mais o imposto... e o seguro e a gasolina. Porra! Tem de fazer contas. Sim...contas porque hora e meia para lá e hora meia para cá...ui...quando é que chega a casa?!
Não ganha mal. Não foi dos que levou o corte o ano passado. O caraças!! Ficou sem o subsídio de deslocação!
A mulher safou-se!
Ganha menos que ele. Bom! Também era o que faltava!!Qualquer dia não mandava nada lá em casa.
Também ficaram sem o abono. Sempre era mais algum. Pagava as atividades dos putos.
Ela vai ter de deixar o ginásio só de senhoras. Que pena! Estava-lhe a fazer bem...Sorri. Até não foi mau nas férias..sem barulho..por causa dos miúdos e da sogra...
Acende outro. Pede outro café. Também vai ter de cortar nisto.
E os almoços! Porra. Os almoços. Os almoços na cantina para os putos. Ela come pouco. Já leva os iogurtes de casa.
Ele vai abdicar disso. Vai ter de levar de casa. Até é mais saudável! Pois...tem de começar a fazer mais contas.
Bebeu o café. Uma irritação surda sobe das tripas.
E a tv Cabo? Vai telefonar e baixar aquilo. Não pode acabar com aquilo. Os putos precisam de internet! Para escola! Ele vê uns filmes e ela fala com mãe todas as noites que é de borla. E os telemóveis. Disciplina! Aquilo é uma renda!
Vai ter de pedir dinheiro à sogra. A reforma é jeitosa...mas já se queixou durante as férias. A mulher vai ter de pedir ajuda à mãe. Pelo menos para os livros e para os casacos de abafo para os miúdos.
Ainda tem o subsídio de Natal. Porra! Não! Já só tem metade! Porra. Revisão, IMI, seguro...pagar os "bicos". E a história da "conta certa"? Com aquela ladroagem da eletricidade!!!
Devia poupar, não era? A irritação surda aumenta mais um bocadinho.
Olha em volta...Pode ser que corra bem.Já foi a Fátima com a mulher quando tiveram uma chatice. Pode ser que corra bem.
Mas esta irritação surda, este sentimento não o deixa. No fundo, ele sabe...Nem Nossa Senhora de Fátima lhe vale quando Setembro chegar. É tudo uma questão de fazer contas.
Paga os cafés. Sorri à empregada. A miúda é gira.
Olha para a rua...já não há sol..
Vai aproveitar os últimos dias de férias.


sábado, 20 de agosto de 2011

par de estalos grátis


estava sentado na cama com as calças meio vestidas enquanto lá fora o sol nascia devagar e entrava pela janela mal aberta do meu quarto

para o planeta era assim que o dia começava

para mim bem podia estar a acabar sinceramente não sabia estava em pausa uma pausa rodeada de esquecimento

eu a cama e as calças meio despidas ou meio vestidas sono pesado parado assim durante alguns segundos nem deitado nem levantado uma eternidade

naquele exacto momento não sabia que caminho seguir tinha tido uma semana difícil medos invejas os euros não valem nada uma correria era natural estava baralhado

não sabia mesmo se tinha as calças meio vestidas ou meio despidas se tinha estado deitado até àquele momento ou se estava de chegada à cama para dormir

tentei lembrar-me mas só me via ali parado assim com as calças enfiadas numa perna desenfiadas da outra a janela mal aberta ou mal fechada e o dia podia muito bem estar a acabar apesar do sol nascer porque na maior parte dos casos o meu mundo não é deste planeta

queria que houvesse alguém a quem perguntar visto-me ou dispo-me mas a cama estava vazia não encontrei lá vivalma à excepção do meu traseiro meio vestido ou meio despido tão perdido como eu

se comandasse uma nave e andasse pelo espaço em missão teria gravado aqui capitão david da nave estrela do futuro são onze da noite a tripulação está esgotada encontrámos um planeta com vida mas não falavam inglês e começámos aos tiros agora vou-me deitar porque já são horas over and out e assim saberia que podia despir a perna vestida e passar à posição horizontal

mas qual gravador qual capitão qual nave qual missão

um primeiro raio de sol quis entrar pela janela mal aberta ou mal fechada e veio picar-me os olhos atarantado sacudi a cabeça faz qualquer coisa mexe-te calma acredita não me lembro se venho da cama ou da rua a vida não tem sido fácil vê-se muita televisão come-se mal a cabeça fica uma mixórdia de medos e invejas estou estremunhado

quando souber donde venho logo me decido

o sol que não é do mundo e ainda não foi privatizado não tem paciência para problemas existenciais rebentou com a janela e pregou-me um par de estalos grátis

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Os Grupos os Contra Grupos e as Encantatórias Ferroadas do Federico


Fui picado por uma vespa. Senti uma coisa qualquer na nuca e fui lá com a mão para sacudir, era uma vespa, brindou-me com uma ferroada e eu, inadvertidamente matei-a.
Fiquei um bocado à toa, até porque as dores que sinto quando sou picado, são praticamente nulas, já fiz tantas vindimas que imunizei...
Depois pus-me a pensar que foi um péssimo negócio para a pobre vespa, a vida em troco de uma ferroada. Diferença de tamanhos, de força, local errado na hora errada... Eu sei lá!
Se fosse um enxame seria péssimo para mim, ou fugia ou quem morria seria eu.
Quando quiser atacar, seja o estado, seja a igreja, seja a coca cola ou outros estilosos do mesmo calibre, chamo o meu enxame, ou a minha alcateia, ou o meu formigueiro. A ver se a coisa muda, é que apesar de sermos muitos mais, ocupamos incomparavelmente menos espaço e consumimos muito menos recursos.
Ahhh! Já agora... não foi o Federico Lorca que morreu naquele fuzilamento, nem foi o sonho ou a Liberdade, foram aqueles que dispararam, porque ao fazê-lo deram-lhe a imortalidade e condenaram-se ao esquecimento.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Ajustes saudáveis

Não é demonstração de saúde ser bem ajustado a uma sociedade profundamente doente.

Jiddu Krishnamurti


(retirada do documentário Zeitgeist Addendum de 2008)

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Breve Acerca da Pega e do Camaleão



A pega é um passaroco do mais estranho que há. Convencida, julga que está no topo da cadeia, faz o ninho no alto das árvores e observa. Quando vê crias indefesas ou ovos ou pássaros que não lhe dêem contenda, come-os. Tem um bico poderoso que rasga e tritura e deve magoar bastante. Passeia-se também pelo chão em saltos ágeis que quase chegam a ser belos, como um bailado. A pega mostra-se e não teme mostrar a sua natureza, é uma pega.
Já o camaleão...
O camaleão tem visão bifocal, vê tudo à sua volta, anda lentamente, dissimulado, adopta as cores que o rodeiam, pode ficar imóvel tempos infindos à espera da presa . Alimenta-se de insectos. Sem se mover, projecta a sua língua imensa e viscosa e num ápice recolhe a vítima incauta. Não se aventura em grandes cometimentos, mas à míngua não morre. Evita conflitos, torna-se invisível para não precisar de fugir ou de expôr-se a lutas desnecessárias. quando não tem alimentos hiberna numa morte apenas aparente. É tramado!
Eu marimbo-me para as pegas, o que me assusta são os camaleões, terríveis! Surgem quando menos se espera com aquela língua ágil, imensa e viscosa e engolem, engolem, engolem...

Finanças e Fé III


Desta série a que chamámos Finanças e Fé falta apenas referir duas ou três coisas sobre o futuro próximo e longínquo deste belo país.
É preciso entender de forma mais detalhada como o que nos está a acontecer radica a sua essência numa teoria, transformada em ideologia ( no mau sentido...). Sim, caros portugueses! O que vos aconteceu não foi um castigo dos deuses, não é uma questão moral. É uma ideologia com base numa doutrina económica, com os seus pensadores, intelectuais orgânicos, livros e jornalistas a soldo. ( É risível a ignorância de quase todos..o Costa...então..um "ponto" como o Jorge, o tal que "tentou beber o presunto por uma palhinha", lá diria O'Neill...).
A questão começa no final da guerra com a Mont-Pellerin Society, uma organização relativamente informal onde pontificava o economista austríaco, Friedrich Hayek.
Basicamente, tratava-se de diminuir o peso do Estado que a guerra tinha tornado enorme no contexto de guerra total que se viveu na Europa.
Demorou tempo até que estas ideias: menos estado, o indivíduo acima de tudo, a recuperação das ideias clássica em economia, entre outras, triunfassem...
Reagan e Thatcher nos anos 80 levaram, finalmente, ao poder os defensores desta visão da sociedade.
Ironicamente, ou talvez não, estes liberais e os marxistas pensam da mesma maneira: o homo economicus, racional, capaz de escolhas perfeitamente racionais, na posse de toda a informação, em mercados que são relações entre pessoas, que desta forma funcionam perfeitamente...uma pescadinha de rabo na boca. Como ideologia, é perfeitamente imbatível. Simples, eficaz e pouco permeável à crítica. Popper está, nesta altura, às voltas na tumba.
A realidade é bem mais complexa, e para além da realidade, ao seu dispor, tiveram uma máquina de propaganda como várias vezes se viu no Ocidente.
Os Evangelistas do Mercado ganharam. ( É também um excelente livrinho..esgotado, claro, onde se explica muito bem como o dinheiro, os think tanks, os media contribuíram para isto).
Ao lado da economia vem também uma visão moral e ética da sociedade. O lucro como motor, a pobreza como responsabilidade individual, o desenraizamento do indivíduo, visto fora das comunidades a que pertence. Dizia a Baronesa Thatcher, " que não existia essa coisa da sociedade. Apenas existiam indivíduos e famílias".
É com base nestes pressuposto teológicos e não económicos, ou sequer científicos, que estamos a ser governados. O que vai acontecer a seguir é tema para outra posta.

Política e fraldas

Os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente e pela mesma razão.

Eça de Queirós

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Colbert e Mazarino...

Podia ser um diálogo de um filme do Guy Ritchie ou Tarantino...

Diálogo entre Colbert e Mazarino, durante o reinado de Louis XIV em 1661
(tremendamente actual...)

Colbert foi ministro de Estado e da economia do rei Louis XIV.
Mazarino era cardeal e estadista italiano que serviu como primeiro ministro na França. Notável coleccionador de arte e joias, particularmente diamantes, deixou por herança os "diamantes Mazarino" para Louis XIV em 1661, alguns dos quais permanecem na coleção do museu do Louvre em Paris.

O diálogo:

Colbert:
Para encontrar dinheiro, há um momento em que enganar (o contribuinte) já não é possível.
Eu gostaria, Senhor Superintendente, que me explicasse como é que é possível continuar a gastar quando já se está endividado até ao pescoço...

Mazarino:
Se se é um simples mortal, claro está, quando se está coberto de dívidas, vai-se parar à prisão.
Mas o Estado... o Estado, esse, é diferente!!! Não se pode mandar o Estado para a prisão. Então, ele continua a endividar-se... Todos os Estados o fazem!

Colbert:
Ah sim? O Senhor acha isso mesmo ? Contudo, precisamos de dinheiro.
E como é que havemos de o obter se já criamos todos os impostos imagináveis?

Mazarino:
Criam-se outros.

Colbert:
Mas já não podemos lançar mais impostos sobre os pobres.

Mazarino:
Sim, é impossível.

Colbert:
E então os ricos?

Mazarino:
Sobre os ricos também não. Eles deixariam de gastar. Um rico que gasta faz viver centenas de pobres.

Colbert:
Então como havemos de fazer?

Mazarino:
Colbert! Tu pensas como um queijo, como um penico de um doente! Há uma quantidade enorme de gente situada entre os ricos e os pobres: São os que trabalham sonhando em vir a enriquecer e temendo ficarem pobres. É a esses que devemos lançar mais impostos, cada vez mais, sempre mais! Esses, quanto mais lhes tirarmos mais eles trabalharão para compensarem o que lhes tiramos. É um reservatório inesgotável.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Ideias e Mudança

"Muda, que quando a gente muda o mundo muda com a gente
A gente muda o mundo na mudança da mente
E quando a mente muda a gente anda pra frente
E quando a gente manda ninguém manda na gente"

(Gabriel o Pensador - "Até Quando?")

"What is the most resilient parasite? Bacteria? A virus? An intestinal worm?
An idea. Resilient, highly contagious. Once an idea has taken hold of the brain it's almost impossible to eradicate."
(Inception)

"No matter what anybody tells you, words and ideas can change the world."
(Dead Poets Society)

Para mudar, basta mudar de ideias!

Simbologia da mudança

Duas frases altamente simbólicas que surgiram na altura dos ataques terroristas na Noruega...

If one man can show so much hate, think how much love we could show, standing together.
(Stine Renate Håheim - survivor)

Ao ódio responde-se com amor. A um acto de loucura terrorista responde-se com confiança.
(Diana Mira)

domingo, 14 de agosto de 2011

A Contenção do Sonho


Quem sabe verdadeiramente o que vai na alma do vizinho?
Eu sei quem é o David e o Claude e o Gee e o Camilo e, se calhar eles conhecem-se, não sabem quem está por trás da cortina, mas talvez se conheçam, não sei.
Sei que outras e outros virão, convidados por mim ou pelo David ou pelo Gee, ou pelo Claude ou Camilo e falarão do que entenderem, como entenderem e serão sempre furúnculos, saídos do fundo da caixa que Pandora abriu.
Os pseudónimos são máscaras sobrepostas às máscaras do quotidiano e por isso mesmo duplamente reveladoras de quem as entendeu usar, É bom.
Não existe aqui a pretensão de ocultar uma identidade, antes o desejo de libertar as múltiplas que nos compõem, um rearranjo despido do peso que a catalogação notarial impõe.
Este é um espaço comum que tende a fugir da comunidade, soit disant...
Por mim falo, mas sei que o único caminho para a Liberdade é lutar por Ela, a cada inspiração, a cada expiração. É também saber que na liberdade nada é apropriável, sei que se lutar somente pela "minha" Liberdade perco inapelavelmente essa luta. Ninguém pode ser livre num mundo de oprimidos.
Só a ditadura se reproduz em cativeiro, apenas a opressão se dá bem com espaços fechados, a Liberdade é a mãe da diferença, ninguém está livre, ou se é ou não e, quem não é livre está preso.
Preso na rede de preconceitos, de interesses que se sobrepõem a outros interesses, preso e infeliz.
Nós por cá, no Furúnculos, não dando muito valor ao tique taque da felicidade momentânea, detestamos prisões. Atlânticas, Índicas, Pacíficas, são sempre prisões se tiverem fronteiras que contêm o sonho.

sábado, 13 de agosto de 2011

Mente brilhante

david engolias


fui até à sala respirar ouviam-se lá fora os carros que passavam sem levantar questões respirei fundo e senti os alvéolos a fazer o que sempre fazem estica encolhe enche esvazia um pouco aborrecidos mas tudo normal

na cozinha o copo comportou-se com maturidade deixou-se encher sem pestanejar e a água não resistiu moldou-se na perfeição se bem que com alguns salpicos rebeldes mas nada que não se extinga pela goela abaixo

o mundo não apresentava sinais preocupantes

ágil como sempre agarrei o comando e sentei-me no sofá fazia isto com bastante desenvoltura ainda estou para as curvas pensei ainda assim estranhei a facilidade com que o comando se deixou apanhar e o sofá que nem bufou quando levou com o meu peso nas molas suspirei de alívio estava em paz com a mobília e isso deixava-me tranquilo

o frigorífico relinchou de barriga cheia e eu acalmei-o sem sair do lugar com um assobio resultou era um modelo inteligente tinha de ter cuidado foi então que me lembrei do exagero de produtos frescos que trouxera do supermercado e pedi-lhe desculpa é que estava tudo em promoção nem tirei as mãos dos bolsos engatei o carrinho nos carris e as mercadorias saltaram das prateleiras à minha passagem em piruetas musicais são os melhores dias coitado do frigorífico

lembrei-me da cara da menina da caixa e do sorriso com que me recebeu do brilho nos olhos quando perguntou quer saco num tom vivaço disse logo que sim disse logo três ou quatro sins tantos quantos os sacos de que precisava dez

sem largar os seus olhos que de repente estavam mais abertos mais fundos quis mergulhar naquele poço onde me adivinhei sem medos sem limites saltei e quando já sentia que entrava fui apanhado pelos pés por um segurança em quem confiei logo ao primeiro toque é bom quando os seguranças nos inspiram confiança e relaxamos nos seus braços sem dificuldade

pedi desculpa a todos os presentes recompus-me vesti-me à pressa e tentei apanhar o cartão gorduroso que se esgueirava como uma enguia dentro da carteira não estava a conseguir começava a suar da testa das axilas das virilhas e receei o pior a mão dela apareceu sobre a minha tremi arrepiei-me desisti beijei-a longamente lábios nos lábios esquecidos do mundo quando voltei a olhá-la nos olhos a sua voz era grave húmida e embora gaguejasse um pouco nem a voz nem ela perdiam encanto não me deixou pagar disse-me ao ouvido que eu era especial que me podia aumentar a dívida mordiscou-me o lóbulo e prometeu que nunca me abandonaria ainda sinto o arrepio pela espinha