sábado, 14 de janeiro de 2012

Piolheira Leite



Os liberais ou neoliberais ou tecnoliberais ou qualquer coisa liberais, não são políticos, são negociantes e precisamente por isso são perigosos. Não são gente de fé, são gente de fezadas.
Tudo neles, depois de despidas as vestes retóricas, se resume a uma visão de merceeiro, a um deve/haver, em que os réditos lhes pertencem e os débitos são descarregados nas contas dos outros. Convém frisar que os outros não são gente, são clientes, entidades, bolsas e bolsos que se esvaziam na razão direta da sua utilidade.
Para eles a dignidade não é um valor em si mesma, é isso sim, uma escala cuja medida é o dinheiro,  porque os clientes não se medem por valores absolutos, medem-se pelo poder de compra e, nesse contexto, uns terão direito a atendimento personalizado, outros ficam de fora à espera das sobras, que comprarão mediante as suas posses.
Não surpreende por isso que Manuela Ferreira Leite tenha proposto uma suspensão semestral da democracia; para ela não eram direitos que estavam em jogo, o objectivo era simples, pretendia apenas uma pausa para inventariar os stocks e adequar a estratégia ao que tinha disponível para colocar nas prateleiras. A seu ver a democracia não é uma questão de fé, apenas uma fezada, uma excelente oportunidade de crescimento gerada pelos efeitos de uma publicidade enganosa.
Como poderemos então estranhar que a dita senhora tenha defendido o pagamento integral da hemodiálise para pessoas com idade superior a setenta anos? Qual a utilidade desta gente? Não produzem riqueza, não compram, não são clientes, não estão cá a fazer nada!
Que morram então.
Aliás, se atentarmos nas listas de espera para cirurgias, ou para intervenções mais onerosas, veremos que estes cidadãos vivem calvários de anos, se analisarmos o fecho dos centros de saúde por exemplo, percebemos de imediato qual a faixa etária mais afectada. Manuela Ferreira Leite limitou-se a dar voz ao genocídio.
Quando vemos consagrado na Constituição, um Serviço Nacional de Saúde Universal e tendencialmente gratuito, percebemos logo que há ali alguma coisa a mais, uma contradição, uma sabotagem. O lógico seria retirar o tendencialmente, mandá-lo às urtigas. Em Portugal a tendência é sempre o declive. Tudo o que tende, tende a acabar.
O SNS deveria ser universal e gratuito. Para todos, ricos e pobres sem excepção, deveria mesmo ser gratuito para Manuela Ferreira Leite, tendo ela como tem, mais de setenta invernos.
Pagamos para isso, trabalhamos para isso, não temos de poupar para isso. A qualidade dos serviços prestados deveria ser generalizada e sem custos para os utentes. Se alguém quisesse um extra e não se importasse de pagar por isso, esse upgrade, digamos assim, deveria ser o hospital hotel, com lençóis de seda e pratos de porcelana, com Jarbas privativos, com arrastadeiras únicas, peças de design escatológico, suaves ao toque e odoríferas… Porque no que à saúde diz respeito, os hospitais não são hotéis, são a salvaguarda da nossa saúde, da nossa dignidade, da nossa democracia. Em suma os hospitais não são uma fezada.
Mas como diria o outro, isto é tudo uma piolheira…

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