O meu jornal de parede
Minhas Senhoras, Meus
Senhores
Alguém me perguntou
como vejo eu, um sem-abrigo de Budapeste, o mundo actual? A resposta é simples:
Como uma pirâmide composta de gente em perpétuo movimento, deambulatório,
supostamente desorganizado.
Milhões de pessoas, a
trepar umas, outras a descer, todas a escorrerem como um cacho de abelhas a formar
colmeia.
O prisma, de topo
afilado e base estreita, tem por via da sua configuração, faces de escalada
difícil enquanto a descida é vertiginosa, incontrolável, quase queda, em abono
da verdade.
O alto é tão distante
do baixo, que quem o ocupa nem vislumbra o chão, por outro lado quem lhe
suporta o peso, tem do vértice uma vaga ideia; limita-se a saber que existe
muito para além das nuvens, não o distingue e quando tenta lançar-lhe a vista, tem
de apontar os olhos ao céu…
Pois é! Quem não sabe é como quem não vê. Há
uma ignorância prazenteira, um arco-íris, nessa forma de ignorar o mundo.
Por isso os espertos
abençoam sempre os pobres de espírito, porque deles é o reino do amanhã, e é
bem verdade. Tão verdade que os homens de poder fizeram sua esta máxima.
Artistas exímios do disfarce, foram criando ao longo dos tempos indistinguíveis
véus, que por artes mágicas se vão sobrepondo em convenientes transparências, mas
estas em lugar de revelar, mistificam.
Hoje em dia o lado
efémero da verdade já não é um imprevisto, um factor aleatório, que transtorne
percursos estudados. É isso sim, um instrumento, um conhecimento aprofundado
por anos e anos de prática. Aposta-se nessa contínua mudança do que é, para
retalhar a memória, e determinar o futuro reconstruindo o passado. Não que o
passado se apague, mas sublinham-se ocorrências, altera-se a orografia dos
factos e o que antes seria um simples grão de areia, num momento será o mais
imponente dos Everest, para logo a seguir se transformar na mãe de todos os atóis.
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