Deu dois passos
hesitantes em direcção à porta, apontou o dedo indicador à campainha e, a meio
do movimento parou.
-“Talvez seja melhor
reconsiderar, afinal de contas isto pode ser mesmo um passo sem retorno… e se
me arrepender?
O melhor é encontrar
uma alternativa, outra solução menos radical. Isso do último recurso é quase
sempre uma desculpa para trilhar o caminho mais fácil; mas… e se desta vez não for?
Se não existir mesmo uma outra solução?
Afinal recebi um
ultimato, e antes do ultimato muitos avisos, cada vez mais insistentes e mais
nítidos também. É sempre assim, quando se ignora o primeiro, ou até mesmo o
segundo, ainda vá que não vá; mas depois não há hipótese, ignoram-se todos… o
terceiro, o quarto, e por aí fora até ao confronto final.
Ao princípio, quando
ainda não existem sinais, na altura em que a semente do problema se aninha,
tudo é possível, tudo se consome, mastigado indiferentemente, seja doce, seja
amargo, ou macio, ou áspero, tudo serve desde que seja a gosto. Mas depois já
não é bem assim… surge um pequeno estremeção, uma diferença de temperatura que
arranha a sensibilidade… e o esforço para retomar sem reservas os hábitos
adquiridos começa a ser mais e mais exigente, mesmo doloroso. Há que tomar precauções,
pelo menos á luz da razão. Só que em vez de confrontar o problema, prefere-se
contorná-lo. Os cuidados são tomados para o evitar partindo do pressuposto que
apenas existe o que se vê, longe da vista e sursum
corda.
Segue-se caminho,
olhos no chão, orelhas tapadas, passo estugado, e de repente… por qualquer
razão intangível, pára-se, olha-se para trás, e leva-se com todo o percurso nas
ventas; todos os erros, todas as consequências imediatas, todas as opções que
se perderam. Primeiro incredulidade, depois desorientação, por fim um torpor,
um estado de choque, misturados com uma contida revolta incontível, a mais
absoluta contradição. As dores são excruciantes, lancinantes, incontornáveis.
Eis o ultimato: Ou eu,
ou outro eu que não eu, enfim, outro eu qualquer.
Só não consigo
entender como me deixei chegar aqui? É claro que não tenho outra opção!”
Prime a campainha. A
porta abre-se num estalido automático. Entra.
Em redor um ambiente
asséptico a emoldurar uma recepcionista loira de sorriso artificial. Entretanto
o telefone toca e ela atende.
“Consultório dentário,
boa tarde.”
Fim.
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